Ele era apenas um miúdo.
Além de cheiro e memória, a morte tem cor. É vermelha e é negra. E no entanto não tem nada de colorida. Deixa-me as mãos em sangue, a alma em brasa e a mente em ferida. No cru jogo da guerra não há espaço para ser-se ético. Pode haver na morte cor, mas não há nada de poético.
Ele era apenas um miúdo. Mas vendo-me desarmado não hesitei em lançar as mãos ao seu pescoço e em apertá-lo entre os meus dedos com todas as energias que tinha em mim.
Dançávamos um tango a dois. Eu apertava-lhe o pescoço e a vida nele para que ele não pudesse apertar o gatilho que me tiraria a minha. O instinto de sobrevivência percorria-me de alto a baixo, demorava-se no meu coração durante três rápidas batidas e depois dispersava para os meus braços. Depois para os meus dedos. E por fim para o pescoço dele.
Mantivemo-nos nesse ritmo incansável, cedendo e conquistando espaço de dança em alternância, até que a música parou. Sob o peso do meu corpo e das minhas mãos feridas, o pescoço dele finalmente sucumbiu, quebrando com a mesma fragilidade com que se partem galhos secos. Ouvi-lhe um estalido surdo e o ar a fugir-lhe de vez dos pulmões. Larguei-lhe por fim a garganta, os meus dedos roxos e hirtos da força, e rebolei para longe do corpo dele, rolando sobre as costas.
Podia ser apenas um miúdo, mas se em vez de lhe apertar o pescoço eu o tivesse deixado premir aquele gatilho, hoje estaríamos não a caminho do meu casamento, mas do meu funeral.
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