Eu juro que estava curado.
Estava finalmente curado de ti.
Já não pensava em ti de dia e de noite deixei de sonhar sonhos teus. Deixou de me incomodar o perfume a que cheiras e esqueci a forma do teu corpo nos meus braços e na minha roupa. Deixei de sentir o teu coração no meu peito e nos meus ouvidos. Deixei de ouvir a tua voz no meu silêncio.
Mas porra. A tua música faz vibrar todas as cordas em mim. Todas as cordas sem excepção. Vibro e vibro e vibro e, de súbito, dou por mim sem forças nas pernas, entregue e rendido, entregue e perdido, a tudo o que foste e tudo o que fomos juntos.
A música toca e vibro mais um pouco e sou atirado de volta à primeira sala de cinema onde tímidos e envergonhados chorámos juntos. Onde a própria alegria de estar contigo, na essência mais pura e mais humilde do amor, me fazia chorar também, de pêlos eriçados e pele arrepiada, desde o duche que te antecipava em música e borboletas em êxtase ao deitar de coração bem entregue e em paz.
E vibro e sinto de novo, aqui e agora, a tua mão na minha, de dedos entrelaçados, sempre fria à procura de calor em mim. Da mão na mão aos braços nos abraços. Aos abraços que, de tão doce e fragilmente apertados, me roubavam o ar que me restava daquele que perdi no dia em que te conheci.
E a música entra mais em mim e eu vibro e sou agora sugado para os passeios à beira-rio, sob as também frias luzes de Natal, ao som das ondas que se vão atirando contra o cais. E vibro e estremeço nova vez e sou inundado pelo teu perfume que agora sei nunca ter esquecido e sinto-o na roupa, na pele e até nos lábios, como que acabado de roubar do teu pescoço.
E soa mais um acorde e mais uma nota no ponto, no meu ponto, na minha frequência, e eu estilhaço mais um pouco quando sinto agora os teus lábios de novo, quentes, vivos, nesses tantos milhares de pores-do-sol mundo fora, doces e salgados nos vários prados e praias que quisemos explorar só a dois.
A música atinge o clímax e em vício e veneno de ti eu não me atrevo a separar-me dela, como cola, como se na dor fossem os últimos segundos de ti que me eram permitidos antes da derradeira ressaca da droga que me foste. E aí vibro com ainda maior intensidade e vibro e vibro, e fragmentos de mim chocalhando e chovendo a toda a volta em pó e fragmentos de ti, fugazes, disparando em flash diante dos meus olhos como se bem aqui estivesses, anos em mil fracções, ribombando a cada acorde e cada corda e toda a voz dela ressoando e tinindo em mim e de repente em nós, agora já nos últimos nanossegundos que me sobram de novo de ti.
E depois silêncio.
No ar e em mim.
Silêncio, uma lágrima e um vazio.
terça-feira, janeiro 29, 2019
sábado, janeiro 26, 2019
De Tudo Pouco ou Nada
Sinto-me tão perdida às vezes...
Olha em teu redor.
Como foi que chegámos aqui? Virámos Licenciados, Mestres e Doutores. Tornámo-nos especialistas das ciências, da Matemática, da Contabilidade e da Tecnologia, e desenvolvemos e utilizámos o nosso mais apurado intelecto para construir o mundo de hoje. Criámos o topo-de-gama em tudo, em todas as coisas: nos telefones, nos computadores, nos tablets, nos carros, nas motas, nos aviões, nas roupas, nas organizações, nas start-ups, nas redes sociais...
Vimos virar o mundo de uma era de escassez para uma era de abundância (à parte, é claro, das regiões desfavorecidas de que fingimos não nos lembrarmos), onde a dificuldade deixou de se medir em "ter ou não ter", mas em "qual escolher?". Hoje temos tudo. E orgulhamo-nos tanto disso, de empregarmos com tanto sucesso no mundo o nosso intelecto e exímia capacidade de raciocínio, que tanto nos distingue enquanto Seres Humanos.
Mas... A que preço...? Será que aquilo que nos distingue como Humanos é mesmo - e sobretudo só - a nossa capacidade intelectual, a nossa capacidade de processar números e lógica e de, com isso, criar tanto excesso, tanto material? A nossa capacidade de injectar no mundo necessidades de que, em boa verdade, não necessitamos assim tanto? E de, com isso, injectarmos também a ânsia e a busca desenfreada por felicidade por via dessas "necessidades" e por via de as mostrar ao mundo, em ostentação plena, a troco de Gostos e Partilhas? Será mesmo este o sinónimo de evolução...?
Esquecemo-nos de que viemos a este mundo sem nada e que dele sairemos sem nada também. E, no entanto, perdemos todos os segundos da nossa hora e todas as horas do nosso dia a lutar por "aquela coisa" que nos fará realmente felizes e a discutir por "aquele problema" que, reforço encarecidamente, não levaremos desta vida.
Esquecemo-nos da nossa essência mais básica. Esquecemo-nos do afecto; da capacidade humana de nos ligarmos emocionalmente com todos os outros seres iguais a nós em tudo. Esquecemo-nos do amor e, pior, envergonhámo-nos da palavra "amor" e fizemos o exercício de a esquecer em nós, porque alguém nos fez acreditar que amar é ser-se frágil. Porque alguém nos fez acreditar que o amor é um sentimento, uma emoção; que o amor é dependência e ser dependente é inadmissível nos dias que correm.
E se eu tentasse explicar-te que amor que é amor não é um sentimento, mas sim um comportamento? Que é, em comportamento, a fusão de tudo aquilo que, enquanto Humanos, temos de melhor? Que é altruísmo, que é respeito, que é carinho, que é bondade, que é generosidade, que é paciência? Que é servir? E que, enquanto comportamento, advém puramente de uma escolha, de uma decisão? O outro antes do eu?
Para mim é esta capacidade de escolher o amor o nosso maior trunfo como Seres Humanos. Essa capacidade de fazer o dia de alguém um pouco melhor em cada pequeno gesto, em cada palavra, em cada sorriso e em cada abraço. Essa capacidade de contagiar positivamente a energia de quem nos rodeia e de, aos poucos, contagiar a energia do mundo. Essa capacidade de tornar o mundo um lugar melhor e sobretudo mais Humano. Mais frágil, mas mais terno e mais alegre.
Mas nós esquecemo-nos e virámos ego. Virámos Eu, em vez de Eles e em vez de Nós, desde o momento em que abrimos os olhos e pomos os pés no chão pela manhã, decididos a ser o próximo herói da História. Mas fará sentido querer ser o herói da História se não formos antes o herói da nossa família? O herói dos nossos pais, dos nossos irmãos e dos nossos filhos...?
Um pequeno gesto de generosidade, de amor, pode fazer tremer o mundo de alguém. E não há melhor sensação no mundo do que essa. Talvez valha a pena pensar um pouco nisso, na próxima consulta entre Facebook e Instagram, antes que seja tarde de mais.
Olha em teu redor.
Como foi que chegámos aqui? Virámos Licenciados, Mestres e Doutores. Tornámo-nos especialistas das ciências, da Matemática, da Contabilidade e da Tecnologia, e desenvolvemos e utilizámos o nosso mais apurado intelecto para construir o mundo de hoje. Criámos o topo-de-gama em tudo, em todas as coisas: nos telefones, nos computadores, nos tablets, nos carros, nas motas, nos aviões, nas roupas, nas organizações, nas start-ups, nas redes sociais...
Vimos virar o mundo de uma era de escassez para uma era de abundância (à parte, é claro, das regiões desfavorecidas de que fingimos não nos lembrarmos), onde a dificuldade deixou de se medir em "ter ou não ter", mas em "qual escolher?". Hoje temos tudo. E orgulhamo-nos tanto disso, de empregarmos com tanto sucesso no mundo o nosso intelecto e exímia capacidade de raciocínio, que tanto nos distingue enquanto Seres Humanos.
Mas... A que preço...? Será que aquilo que nos distingue como Humanos é mesmo - e sobretudo só - a nossa capacidade intelectual, a nossa capacidade de processar números e lógica e de, com isso, criar tanto excesso, tanto material? A nossa capacidade de injectar no mundo necessidades de que, em boa verdade, não necessitamos assim tanto? E de, com isso, injectarmos também a ânsia e a busca desenfreada por felicidade por via dessas "necessidades" e por via de as mostrar ao mundo, em ostentação plena, a troco de Gostos e Partilhas? Será mesmo este o sinónimo de evolução...?
Esquecemo-nos de que viemos a este mundo sem nada e que dele sairemos sem nada também. E, no entanto, perdemos todos os segundos da nossa hora e todas as horas do nosso dia a lutar por "aquela coisa" que nos fará realmente felizes e a discutir por "aquele problema" que, reforço encarecidamente, não levaremos desta vida.
Esquecemo-nos da nossa essência mais básica. Esquecemo-nos do afecto; da capacidade humana de nos ligarmos emocionalmente com todos os outros seres iguais a nós em tudo. Esquecemo-nos do amor e, pior, envergonhámo-nos da palavra "amor" e fizemos o exercício de a esquecer em nós, porque alguém nos fez acreditar que amar é ser-se frágil. Porque alguém nos fez acreditar que o amor é um sentimento, uma emoção; que o amor é dependência e ser dependente é inadmissível nos dias que correm.
E se eu tentasse explicar-te que amor que é amor não é um sentimento, mas sim um comportamento? Que é, em comportamento, a fusão de tudo aquilo que, enquanto Humanos, temos de melhor? Que é altruísmo, que é respeito, que é carinho, que é bondade, que é generosidade, que é paciência? Que é servir? E que, enquanto comportamento, advém puramente de uma escolha, de uma decisão? O outro antes do eu?
Para mim é esta capacidade de escolher o amor o nosso maior trunfo como Seres Humanos. Essa capacidade de fazer o dia de alguém um pouco melhor em cada pequeno gesto, em cada palavra, em cada sorriso e em cada abraço. Essa capacidade de contagiar positivamente a energia de quem nos rodeia e de, aos poucos, contagiar a energia do mundo. Essa capacidade de tornar o mundo um lugar melhor e sobretudo mais Humano. Mais frágil, mas mais terno e mais alegre.
Mas nós esquecemo-nos e virámos ego. Virámos Eu, em vez de Eles e em vez de Nós, desde o momento em que abrimos os olhos e pomos os pés no chão pela manhã, decididos a ser o próximo herói da História. Mas fará sentido querer ser o herói da História se não formos antes o herói da nossa família? O herói dos nossos pais, dos nossos irmãos e dos nossos filhos...?
Um pequeno gesto de generosidade, de amor, pode fazer tremer o mundo de alguém. E não há melhor sensação no mundo do que essa. Talvez valha a pena pensar um pouco nisso, na próxima consulta entre Facebook e Instagram, antes que seja tarde de mais.
quinta-feira, janeiro 17, 2019
Fénix
Estupor.
Meu pequeno estupor.
Pensei ter deixado bem claro que eu preciso de plano e de ordem, em alinhamento perfeito, na minha Vida. Que não reajo particularmente bem a surpresas e alterações de última hora. E achei que tínhamos combinado, a bem da tua integridade física, não pregar partidas um ao outro. Não assim, sem aviso prévio. Muito menos um desvio tão fora de rota.
Já cá não estás para te agredir por me deixares só e entregue a mim mesma, naquela agressão que pouco mais te fazia do que cócegas, e, no entanto, não consigo ficar sequer aborrecida contigo.
Fizeste-me sonhar em vida. Meu pequeno estupor. Fizeste-me desenterrar e reacender todos os sonhos inocentes de criança que trazia em mim e que até então a Vida não me deixara sonhar. Vieste ser faísca, ser rastilho e ser da minha cinza fénix.
Foste borboletas no meu estômago. Cativaste-me no teu olhar e, mais ainda, na tua alma pura. Prendeste-me nos teus braços e deixaste-me divagar liberta na leveza do meu ser. Foste amor de Verão, primeiro, e amor de filme de Hollywood, daqueles que não existem nunca, todos os dias depois desse.
Foste dança na chuva. Foste mar e pele salgada. Foste noites de céu estrelado. Foste gestos aleatórios de bondade. Foste o meu lado de fora do passeio nos passeios pela calçada. Foste chocolate incógnito em cima da minha cama quando o meu mundo virou do avesso. Foste boleia até à porta de casa porque uma donzela não deve ser deixada na rua sozinha depois de o sol se pôr no horizonte. Foste pinhas e lenha e lareira e chocolate quente no inverno. Foste quilómetros de estrada - terra, céu e mar - entre nós para roubar de mim um sorriso; por vezes um beijo não autorizado.
Foste ordem no meu caos. Foste porto de abrigo na minha insegurança. Foste harmonia na minha impulsividade. Foste ousadia na minha disciplina. Foste piano em eco no meu silêncio. Foste doce na minha amargura e boa disposição no meu mau feitio. Foste calor no meu peito e, acima de tudo, foste Luz em mim e meu caminho, quando toda eu me sentia trevas e noite fria.
Foste paz no meu coração.
E hoje soube que és filho no meu ventre.
Meu pequeno estupor.
Pensei ter deixado bem claro que eu preciso de plano e de ordem, em alinhamento perfeito, na minha Vida. Que não reajo particularmente bem a surpresas e alterações de última hora. E achei que tínhamos combinado, a bem da tua integridade física, não pregar partidas um ao outro. Não assim, sem aviso prévio. Muito menos um desvio tão fora de rota.
Já cá não estás para te agredir por me deixares só e entregue a mim mesma, naquela agressão que pouco mais te fazia do que cócegas, e, no entanto, não consigo ficar sequer aborrecida contigo.
Fizeste-me sonhar em vida. Meu pequeno estupor. Fizeste-me desenterrar e reacender todos os sonhos inocentes de criança que trazia em mim e que até então a Vida não me deixara sonhar. Vieste ser faísca, ser rastilho e ser da minha cinza fénix.
Foste borboletas no meu estômago. Cativaste-me no teu olhar e, mais ainda, na tua alma pura. Prendeste-me nos teus braços e deixaste-me divagar liberta na leveza do meu ser. Foste amor de Verão, primeiro, e amor de filme de Hollywood, daqueles que não existem nunca, todos os dias depois desse.
Foste dança na chuva. Foste mar e pele salgada. Foste noites de céu estrelado. Foste gestos aleatórios de bondade. Foste o meu lado de fora do passeio nos passeios pela calçada. Foste chocolate incógnito em cima da minha cama quando o meu mundo virou do avesso. Foste boleia até à porta de casa porque uma donzela não deve ser deixada na rua sozinha depois de o sol se pôr no horizonte. Foste pinhas e lenha e lareira e chocolate quente no inverno. Foste quilómetros de estrada - terra, céu e mar - entre nós para roubar de mim um sorriso; por vezes um beijo não autorizado.
Foste ordem no meu caos. Foste porto de abrigo na minha insegurança. Foste harmonia na minha impulsividade. Foste ousadia na minha disciplina. Foste piano em eco no meu silêncio. Foste doce na minha amargura e boa disposição no meu mau feitio. Foste calor no meu peito e, acima de tudo, foste Luz em mim e meu caminho, quando toda eu me sentia trevas e noite fria.
Foste paz no meu coração.
E hoje soube que és filho no meu ventre.
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