As palavras "feliz natal" soaram-me vazias na cabeça, como um eco quase mudo repercutindo-se à distância. Leve como uma pena deixada ao vento, ao acaso.
Podíamos ter o frio no ar, as luzes na rua, a lareira em casa, o presépio na entrada, o peru e o bacalhau no forno, a árvore na sala e os presentes debaixo dela. Mas há muito que o natal deixou de significar presentes para significar família.
Tinha para mim o natal como um interregno nos nossos calendários preenchidos e ocupados, nos nossos empregos, nas nossas vidas aceleradas e espalhadas pelos cantos do mundo, para nos revermos uns aos outros. Um momento de introspecção para nos focarmos em nós enquanto família e, nesse exercício, esquecermos por dois dias tudo o resto e gozarmos um pouco de paz em conjunto. Especialmente quando, à medida que os anos passam, nunca sabemos quando será o último natal para alguém.
Mas este ano isso escapou-nos por entre os dedos. Montámos o cenário com toda a pompa e circunstância, mas esquecemo-nos de fechar os olhos e olhar para dentro, para aquilo que verdadeiramente importa. Agarrámo-nos ao orgulho próprio, egoísta, e à intolerância. Esquecemo-nos de amar. Esquecemo-nos de perdoar. E apodrecemos por dentro, vítimas do nosso próprio veneno.
Éramos seis, mas éramos um. Um corpo bem constituído, felizmente bem alimentado e saudável. O pai era o cérebro, a razão; a mãe o coração, a emoção; e nós irmãos, que somos quatro, as pernas e os braços com que corríamos o mundo e nos agarrávamos aos nossos sonhos. E no entanto, algures no tempo, cedemos a uma febre qualquer e adoecemos gravemente. Ignorámos que são as nossas diferenças que nos fazem melhores e mais completos e levantámos o nosso próprio faroeste debaixo do nosso telhado, debaixo da nossa pele. Trocámos tiros em todas as direcções. Um tiro no pé. Um na cabeça, um no coração e outros quatro nas pernas e braços, numa amputação lenta. E começámos a sangrar.
Este ano não me sentei para ver um filme em família, muito menos um serão inteiro deles como sempre fazíamos, muitas vezes após a ceia de natal e a troca de presentes, já a altas horas da madrugada. Não consegui desfrutar de cada segundo da incrível boa disposição do meu avô, que tanto admiro e que vem à tona já a grande custo. Nem consegui estar em casa mais tempo do que o necessário. Saí à primeira oportunidade, porque casa não é casa quando o teu coração quer estar em todo o lado menos ali.
Por isso, sim, as palavras "feliz natal" soaram-me vazias na cabeça, como um eco quase mudo repercutindo-se à distância. Leve como uma pena deixada ao vento, ao acaso.
Fiz o meu papel de feliz, mas toda a gente sabe que um papel amachucado jamais volta ao sítio. Eu nem queria um feliz natal; só queria a minha família de volta.