Sonhei contigo.
Sonhei contigo e acordei com um vazio estúpido de ti. Com uma comichão que não tem como coçar... Parece-me que no canto do teu sossêgo e do teu silêncio consegues ser mais sombra minha do que eu próprio, perseguindo-me pé ante pé sem que o saibas. Os fragmentos de ti em mim são resquícios de uma pólvora meia apagada; fuligem e estilhaços de uma mina armadilhada que um dia pisei sem querer.
Não dou pelo tempo, mas sei que passou e vai passando depressa. Oiço o burburinho dos ponteiros do relógio sussurrando na sala de estar e volta e meia apercebo-me ao longe de doze badaladas roucas. O tempo voa tremido e fugaz como os aviões de papel que punha em órbita em criança e é o veleiro que, ao sabor da maré e embalado em brisas, me afasta de ti e me guia a novos portos e horizontes.
Concluí com sucesso o curso de piloto-aviador. Saí de casa. Casei com a mulher que é a metade de mim e que me é por inteiro. Tenho dois filhos, um rapaz e uma rapariga como sempre quis, ele forte e reguila e ela a princesa dos meus olhos. Brincam neste momento no jardim do outro lado do vidro, enquanto escrevo, na casa que sempre quis ter. Uma vivenda em madeira com um quintal relvado, num bairro tranquilo e com boa vizinhança, com a mesma avózinha passeando-se todos os dias de leggings e fita na cabeça, toda desportiva e sorridente, em modo de jogging. Tenho um pastor alemão cachorrinho, pouco maior que o meu antebraço.
Tenho tudo.
E tenho um vazio de ti.
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