O céu sobre Manhattan nasceu cinzento, sem um sorriso.
Nasceu cinzento e teimou em manter-se assim. Por alguma razão, o cinzento do dia contagiava as pessoas; colava-se-lhes como uma sujidade que não sai. A mim, sobretudo. Mais do que nos outros dias todos.
Estava há horas enterrado na cadeira, no canto mais isolado do escritório, à espera que uns e-mails se esbarrassem na minha caixa de entrada; à espera que aquele apito de aviso irritante me martelasse os tímpanos de novo. Cansava-me a espera, a inactividade... Nos dias cinzentos tudo me cansava mais, como se o pavio da paciência encurtasse drasticamente. Aborrecia-me.
Perguntaram-me se queria descer para fumar um cigarro. Queria só descer. Queria fazer qualquer coisa que não aquilo e por um instante quase ponderei voltar a fumar um cigarro só por cinco minutos de escapadela. Mas abanei a cabeça e eles desceram sem mim.
Enquanto ouvia o elevador a chegar e a liberdade e o ar puro a fugirem de mim, empurrei-me até à janela. Apoiei primeiro o cotovelo na secretária, depois o queixo na mão e depois a testa no vidro gelado. E então entretive-me a observar as pessoas na rua, a fumar o meu cigarro imaginário.
Por alguma razão, no meio de toda a multidão, os meus olhos colaram-se a uma mulher de chapéu, elegante quase ao estilo de SoHo, como se colavam às pessoas os dias cinzentos. Saía de um edifício do outro lado da estrada; chapéu, óculos escuros, gabardina e bota alta. Parou junto à passadeira, à espera que o semáforo abrisse, e ajeitou o chapéu na cabeça. Depois o semáforo abriu e eu perdi-a quando ela atravessou a estrada. E voltou-me o aborrecimento.
Ouvi o elevador chegar. Tinha acabado a pausa do meu cigarro virtual. Resmunguei para mim próprio; ainda não me sentia pronto para me descolar da janela. Precisava de um último bafo. Mas o meu silêncio interior foi interrompido pelo eco de uns tacões aproximando-se e depois por uma voz estranha, terna:
- Mr. Gordon? Bom dia!
Não soava nada a cinzento.
Os meus olhos saltaram da rua e das pessoas para umas botas altas, para uma gabardina e para umas mãos segurando um chapéu.
- Tinha uns e-mails a que lhe responder, mas tinha assuntos a tratar nas redondezas e então pensei passar aqui e falar consigo pessoalmente.
O sorriso dela desarmou-me e despiu de mim o aborrecimento.
Dizem que tudo o que é preciso são 20 segundos de loucura. Por uma vez na vida deixei-me ser louco e no fim de tudo convidei-a para um café.
Hoje não está de chapéu, mas está de vestido de noiva à minha espera no altar.
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