Cheguei a casa estoirada do trabalho e segui a minha habitual rotina de inverno. Lareira acesa, banho quente demorado enquanto o meu cubículo aquecia, pijama confortável, luzes apagadas e música de fundo - Torn, na voz de Natalie Imbruglia.
E quando me tentava abstrair da montanha-russa do dia, lá me apareceste tu mais uma vez, pavoneando-te nos meus pensamentos. Não escolho pensar em ti, não escolhia se pudesse, mas a verdade é que não posso, nem consigo. Já tentei de tudo. Lareira apagada, luz acesa, Netflix, televisão com um qualquer filme do Die Hard com tiros a cada segundo, filmes de terror, filmes de princesas, música para dormir, música pesada, sudoku, ler um livro. Mas o meu último pensamento és sempre tu.
Onde andarás? Estarás feliz? Estarás com alguém? Estarás sozinho? Terás quem te aqueça o corpo e o coração no meu lugar? Pensarás em mim? Pensarás muito de vez em quando ou muitas vezes? Lembra-te-ás dos nossos momentos a dois? Tê-los-ás apagado da tua memória? Terás contigo o relógio que te ofereci? A fotografia do nosso último passeio que te ofereci no último natal?
Bem sei que, se pudesses escutar os meus pensamentos, me acharias louca. Se calhar estou. Fui eu, afinal de contas, quem te despediu de mim sem que sequer tu te pudesses despedir devidamente. E hoje já nem sei por que o fiz. Nem sei se me interessa. Não sei se algum dia interessou. Não sei em que pensei na altura. Não sei o que penso hoje. Mas sem pensar queria-te aqui. Neste sofá que já foi também teu. Para me aqueceres os pés gelados enquanto a lareira não faz o trabalho que lhe é devido. Para depois te mandar para o chão quando estivesse com calor. Para te ouvir resmungar enquanto acedias ao meu pedido, sem nunca antes falhares o beijo na minha testa, com uma ternura do tamanho do mundo. Para me tapares quando adormecesse no sofá, após a lareira apagada. Para me pegares ao colo e me levares até à cama, ainda que seja a dez passos do sofá. Para acordar para um sorriso e não para um espelho mal humorado. Para chegar ao final do dia e ter os teus ouvidos prontos para me ouvir reclamar do meu dia e os teus braços prontos para num abraço apertado espantar de mim os males.
Depois, a vozinha irritante da minha consciência, a minha vozinha que eu não sei como suportavas, atira-me lá do fundo que fui eu que te amachuquei e joguei fora, qual embrulho de natal, sem mais nem porquê. Egoísmo, diz-me. Sinto-me chorar. Achar-me-ás egoísta? Guardar-me-ás rancor no lugar de amor? Desprezo no lugar de saudade? Choro mais. Talvez esteja mesmo louca. Que guardas de mim? Quando nos cruzamos na rua e nos fingimos meros amigos, quando me lanças o olhar doce de sempre, que sentimento esconde ele? Que pensas de mim? Que pensas de nós? Teríamos dado certo? Estaríamos agora a falar a dois de casamento, de filhos, de futuro? Em vez de em monólogo sobre o passado?
Os pensamentos disparam, uns atrás dos outros, ao som da música. Estou cansada de pensar, cansada de mim. Perco-me na falta de sentido. Mas é irónico, não é? Acabei contigo - no sentido literal, destrutivo, da palavra - sem querer saber o que pensavas e hoje não saber o que pensas - de mim, de nós - acaba comigo.
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