A chuva e o frio baloiçam-se lá fora de mão dada, novamente. Agitam e regelam os pinheiros e esbarram-se nas nossas janelas, zumbindo. Esbarram-se, em particular, no janelão junto ao teu piano, que desde que te foste se mantém de persiana aberta - escancarada, antes - como era teu apanágio, debruçando-se a vista sobre o vale e sobre o bosque.
O ar tornou-se vazio sem o som do teu piano. Triste, entregue e rendido ao som solene e repetido da chuva pingando e escorrendo pelos vidros à minha volta. Não me importava que os dias que me restam de vida fossem passados sentado no sofá diante da nossa lareira, escutando a tua melodia harmoniosa. Oh, como gostava de te ouvir e de te ver tocar: os teus dedos saltando graciosamente pelas teclas, entre tons e meios tons, acordes e arpeggios; um ténue sorriso doce nos teus lábios engelhados e o efeito do pedal pisado prolongando-se pelo ar...
Hoje não há música em mim. O meu coração é uma pauta de pausas e silêncios, e as notas, se as houvesse, seriam bemóis e graves, melancólicas e descompassadas. E depois mais pausas, mais silêncios. Eras todos os meus tons cinzentos, as minhas dúvidas, as minhas surpresas e as minhas espontaneidades. Sem ti tornei a ser eu, um singelo homem mundano, apenas a preto e branco, como as teclas do teu piano.
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