Lá fora chovia. Chovia sempre.
Lá fora chovia, ininterruptamente. No jardim, no alpendre, no telhado e contra as janelas. O vendaval sacudia as portadas e zumbia pelas frestas das janelas. "Devíamos ter optado por um barco! Ou um bunker...!", dizias-me sempre, em dias destes.
Lá fora chovia e a electricidade caiu. Caía sempre.
Ganhei com o passar dos anos o teu feliz hábito de prender a lanterna à cintura e segui à risca o teu ritual de acender uma vela em cada divisão da casa. Sigo sempre. Sigo sempre e de algum modo faz-me parecer que ainda estás aqui.
Lá fora chovia como na noite em que nos conhecemos, no prado lamacento, tu com o cabelo colado à cara e o vestido colado ao corpo, e antes que caísse a noite fui à cave buscar dois toros de madeira. Já não sobram muitos da nossa última colheita.
Lá fora chovia e antes que o frio voltasse atirei os toros para dentro da lareira, com um par de pinhas, e ateei o lume. Hoje tive de o trabalhar um pouco mais para que se aguentasse firme. Parece que nestes dias até o fogo se recolhe e só ao fim de meia hora de trabalho tínhamos lareira digna do nome.
Lá fora chovia. Lá fora chovia e cá dentro já as velas iluminavam a casa, trémulas, e a lareira aquecia o ar. O crepitar das chamas sobrepunha-se lentamente ao cair da chuva. À luz da lareira, consegui pela primeira vez olhar para a fotografia do nosso casamento sem que me viesse aos olhos uma lágrima.
Lá fora chovia e no lugar da lágrima surgiu um sorriso leve, um pouco amargurado ainda, mas um sorriso, contagiado pela tua felicidade irradiante. "Estás no meu lugar.", adoravas reclamar. Pois bem, hoje sentei-me no teu lugar e hoje não vou sair, sinto-te mais perto aqui e isso reconforta-me a alma.
Lá fora chovia e tenho a panela ao lume. Hoje trato eu dos nossos chocolates quentes.
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