Gostava genuinamente de ter nascido há cinquenta anos atrás.
O amor dos tempos modernos é uma cozedura rápida em lume brando. Serve-se em copo meio cheio, que é como quem diz meio vazio, e é posto de parte e substituído à primeira comichão. Mas tu e eu sabemos que o amor não é para ser vivido nem rápida, nem brandamente. E é para fazer comichão, que amor que é amor é intenso!
Gostava de ter nascido há cinquenta anos atrás só para te escrever uma carta de amor. Só pela aventura de investigar desenfreadamente a tua morada, pelo desafio de escolher as palavras certas, à tua medida, e pelo sabor de a deixar finalmente no correio. Pela ânsia da espera e pela imaginação do teu sorriso quando a lesses. Sim, isso valer-me-ia todo o trabalho, todo o tempo.
Mas hoje... Hoje não há tempo. Não há tempo para dedicar à nossa dita cara-metade, que hoje é uma e amanhã é outra; que as marés e os ventos vêm e voltam, sopram e levam umas coisas e trazem outras. Hoje é, com sorte, uma fotografia no Facebook, pirosa, foleira, enquanto se vê a bola com os amigos ou enquanto se vai às compras com as amigas; uma enxurrada de palavras melosas retiradas do Google e coladas a cuspo açucarado na publicação, ou numa mensagem pelo WhatsApp, com um relatório de entrega e por fim um Snap da cara-metade do momento a agradecer.
Perdeu-se a alma, perdeu-se a magia, e eu por mim, que sou pelo amor, não consigo sequer pensar em não te dedicar uma parte do meu dia. Todas as partes do meu dia, até, porque eu inteiro sem ti sou vazio. Podia passar horas a escrever-te, horas a escrever sobre ti, porque não passo sem esse sorriso que me ilumina e me incendeia e não vivo sem esse espírito indomável que te habita.
Por isso, sim. Gostava genuinamente de ter nascido há cinquenta anos atrás. Escrevia-te à mão uma carta de amor onde quer que parasses neste mundo, nem que tivesse eu próprio de o atravessar de uma ponta à outra.
Um beijo na testa
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