terça-feira, fevereiro 14, 2017

Super-Heróis

É quase engraçada a noção que não temos acerca do mundo que nos rodeia. Do mundo das pessoas que nos rodeiam.

Sentas-te todos os dias ao lado dela, trocam todas as manhãs um "bom dia" ainda em sono, comem à mesma mesa, discutem problemas e soluções no trabalho, riem juntos. E no entanto tu não tens nem noção do que é ser ela e de quem é realmente essa pessoa ao lado de quem te sentas diariamente, com quem trocas cumprimentos pela manhã, com quem almoças, com quem trabalhas e com quem ao fim do dia bebes um fino no café ali ao virar da esquina.

Ela não mostra; ela não deixa que transpareça uma nesga que seja. Por debaixo daquela energia e felicidade genuína, de ferro, ela não verga. Antes, opta por focar-se no trabalho dela e por focar-se muito em ti, no teu bem-estar a cada instante, ainda que subtilmente para que tu não te apercebas. Mas deixa-me que te conte:

Perdeu recentemente a Mãe, Mãe com M grande, do tamanho da falta que uma mãe faz. Muito antes de tempo, foi o pilar de uma casa de 4 que desabou, assim de súbito. E no ar ficou só o eco do estrondo. Depois, o silêncio da ausência.

No aperto, sem dar tempo ao tempo e tempo à ferida para sarar, o único irmão dela escolheu um caminho de vida que em muito se afastou do dela e do pai, deixando-os aos dois segurando a custo o telhado trémulo e instável daquela casa que dias antes fora um lar.

Como uma desgraça nunca vem só, pouco tardou para que o pai dela visse o seu emprego escapar-lhe por entre os dedos. O fruto do esforço de uma vida ser-lhe arrancado à força das mãos e do corpo; o sustento de uma casa e de uma família ser-lhe tirado sem mais dos bolsos, esfumando-se da noite para o dia.

E assim sobrou ela. Ela sem Mãe, ela sem irmão, ela sem um ordenado que pague uma casa e ainda sustente três. Ela que acabou de sair da faculdade e que ao final do mês não ganha mais que tu. Ela que de repente passou de filha com tudo para segunda mãe sem nada.

Então provou-se à prova de bala e agarrou-se como pôde às rédeas da loucura em que se tornou a vida dela. Aos 23 anos, a seu custo e sacrifício, pôs a mochila às costas e a responsabilidade aos ombros e saiu porta fora para sozinha ir atrás da solução dos problemas de todos.

E é aí que ela se encontra de momento. Sentada ao teu lado, dizendo-te bom dia todas as manhãs de sorriso bem rasgado, almoçando à tua frente, dissecando todos os detalhes do vosso trabalho e bebendo estoicamente um fino ao final do dia, para te dar a oportunidade de seres ouvido, de partilhares os teus "problemas" e de te sentires reconfortado.

Mas tu não tens nem noção.

1 comentário:

Rute Marina de Matos disse...

Grande heroína!

Blogdiariodeumafamilianormal.blogspot.pt