segunda-feira, março 07, 2016

Cancro.com

Nunca mais escreveste.

Há meses que não recebo notificações de novas entradas no teu diário e isso tem-me agitado e desalentado. Parece que perdi de mim o meu novo entretenimento das horas vagas, o novo calor de fundo das minhas noites frias.

Acostumei-me a ter-te por perto, ainda que irremediavelmente longe e sempre sem rosto, e a tomar abrigo no asilo das tuas palavras. Em ti tinha a força que sozinha não tenho para viver o mundo, a coragem que sozinha não encontro para sair à rua e fazer-me à estrada e a tudo o que existe para lá dos meus receios.

Visitei castelos, fontes, prados e praias nos teus versos. Imaginei sentir a tua areia a escaldar-me os pés, a água em torno dos meus tornozelos enquanto corria à tua beira-mar, a brisa quente de um verão que não vivi na cara e entranhada nos cabelos, o leve aroma no ar no sussurro do vento primaveril, a Lua cheia num céu visitado por estrelas cadentes. Mergulhei fundo e de cabeça em ti e escalei sem medos as escarpas dos mundos que construías tão perfeitamente parágrafo a parágrafo. Respirei pelos teus pulmões, inspirei pelo teu nariz e vivi pelo bater do teu coração.

Esperava horas a fio à lareira por uma nova notificação, por um novo texto. E a cada noite lá estavas tu, no ícone vermelho piscando, com uma nova história para o mundo e um novo bilhete de ida sem volta para mim. Habituei-me a escolher estrategicamente a hora para te ler, para assegurar que adormecia ao terminar a leitura e prosseguia viajando noite fora no mundo que conheceras durante o dia.

E então seguiram-se sete meses de ti em silêncio e sete meses de mim vazia, sem a harmonia da tua prosa e sem a loucura da tua poesia. E desde que a tua retirada prolongada te riscou do mapa nunca mais sonhei igual. Os sonhos das minhas noites replicaram a monotonia desesperante dos meus dias, de uma rotina feita de nadas. Tornei a cansar-me de mim própria e do meu mundo sem cor nem forma, sem a tua adrenalina, as tuas paisagens e as tuas sensações mil.

Tornaste-te um cancro meu.
Mas é a tua ausência que me mata.

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