segunda-feira, julho 02, 2018

Principezinho e a Raposa


Já dizia a Raposa ao Principezinho “Cativaste-me e agora vais ter de cuidar de mim”. A verdade é que cada um é responsável por aquilo que cativa. Uma parte do que sou – uma parte de mim – está assim entregue nas tuas mãos. Cuida bem dela.

Cuidarei, prometo, até ao meu último fôlego.
Porque é também ela parte de mim e não se escolhe deixar de parte uma parte do todo.

Aprendi contigo, por desígnio do acaso, que acontece algo de bonito sempre que duas almas gémeas cruzam caminhos. E mais ainda quando elas se encontram no curso da Vida por acidente, roçando apenas ao de leve, sem quase darem conta uma da outra.

Mal sabia eu que esse acidente de raspão ia deixar mossa.
E foi aqui, sim, que trocámos as regras todas do jogo.

É que, quando são verdadeiramente gémeas as almas, brota e emerge da terra dos corpos um amor sem par, sem força equivalente talvez em todo o Universo. Também não é nova para ti esta ideia, de mim para ti, das energias do Universo, da felicidade pela felicidade; do amor pelo amor. E não falamos de um amor de paixão ardente na pele e no toque, daquelas de arrancar aos corpos as roupas. Falamos, sim, de uma paixão ardente bem no seio do coração, de amor puro, inocente; de uma ternura harmoniosa e de uma paz leve, doce, que nos invade os pulmões sem pedir licença.

E sem aviso prévio foi essa a porta que se destrancou e abriu algures em nós, nos próprios alicerces do nosso ser. Foi esse o lugar que cativámos a par e passo um no outro, sem saber bem como ou porquê. Mas sabia bem a raposa que quando cativamos, cuidamos para sempre. E foi isso que fomos fazendo, não foi? Dia após dia, em cada gesto, em cada conversa, em cada partilha do que faz nós quem somos hoje. Em cada música, em cada fotografia, em cada confissão, em cada gargalhada, em cada vitória, em cada derrota, em cada lágrima. Em cada minuto que passámos de mãos dadas sem precisarmos de dar as mãos.

"Foi o tempo que perdeste com a tua roza que a fez tão importante.", já dizia a Raposa também, num desses efémeros encontros eternos com o Principezinho.

Como Saint-Exupéry com o Principezinho e a Raposa, escrevemos juntos a história do encontro de duas almas selvagens tão diferentes, mas tão iguais em tantas matérias, em especial na matéria de ver e de sentir o mundo, na matéria de dar o que faz falta sem esperar receber, e sobretudo na matéria de tudo aquilo que é imaterial. Na matéria do que não tem explicação, na matéria do que foge e escapa à lógica. Na matéria do que fala sem usar palavras.

Palavras quero-as apenas para acrescentar um ponto:

Não escrevemos toda a história, ainda. Se concordares, no teu silêncio distante, encerramos aqui apenas um primeiro capítulo. Um de vários. Um de muitos, se possível, enquanto forças houver para escrever.

Porque eu sei dentro de mim, bem no centro daquele labirinto difuso que nunca compreenderás, que temos por esse Universo muitos mais planetas para explorar.

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