Arrastei-me até à beira-mar para me arejar de ti.
Trepei pelas rochas até ao trilho onde ninguém caminha, por entre as dunas sobre o mar, e pé ante pé deixei que a melodia síncrona da rebentação me entrasse pelos ouvidos e me inundasse o pensamento.
Não há vivalma na praia onde vou lembrar-me e esquecer-me de ti. Apenas o jazz do vaivém repetido das ondas e marés e a toda a volta a brisa salgada. É isso que tanto me atrai nela e é por isso que eu a escolho: deixa-me estar finalmente a sós com o ruído que causas em mim.
À medida que me aproximo do mar, ficam para trás as passadas na areia, rasto solteiro no areal virgem, e o passado de ti, que as ondas levam de mim a pouco e pouco, apagando de vez. Caminho talvez dois quilómetros ao longo da espuma que vai rebentando e deslizando pela areia, em piloto-automático, até ao refúgio que reclamei para mim. Entro e, com água já pelos tornozelos, sento-me voltado para o mar na reentrância que nunca te mostrei, na esperança de que a maresia leve também de mim o teu perfume.
Ias gostar deste sítio, apesar da tua natureza indomável. É o recanto mais recôndito de toda a praia deserta e faz-te esquecer todo o mundo à volta. Faz-te esquecer o tempo e com tempo faz-te esquecer quem és e de onde vens.
Acalma-me o burburinho das ondas, aqui. Borbulham e soluçam suavemente como num riacho, ao agitarem-se timidamente contra as rochas, embalando-me, e ao longe prolonga-se o eco da rebentação. Enquanto isso, a dança da maré hipnotiza-me, como se chamasse por mim.
A última carta que te escrevi foi no dia dos namorados que nunca fomos. Não quis o mar levar até ti as palavras que nesse dia te escrevi e hoje é nele que me refugio para te silenciar. É irónico, não é? E tu, selvagem, nasceste para mim como o meu próprio mar, que vem e vai e volta; que se toca ao de leve, mas não se pode agarrar.
E por isso, como a ele, eu amo-te e odeio-te loucamente, numa hipnose de ida sem volta, e odeio-me mais ainda por tanto te amar.
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