sexta-feira, fevereiro 09, 2018

Amor à Segunda Primeira Vista

Suspeitei pelo teu último olhar, pela última palavra que não disseste, que desta vez a Vida ia levar-nos por caminhos opostos. Confirmei-o uns tempos depois, quando te vi perderes-te no sorriso dele e afogares-te num abraço que não era o meu. E aí entendi que desta vez era para sempre.

Quebrei por dentro.
Não era para sempre; era para nunca.

A início quis odiar-te, sou franco. E tentei-o com todas as minhas forças. Procurei dar-me a mim próprio todos os argumentos lógicos para te odiar. Tentei e tentei e tentei. Mas falou sempre mais alto o meu amor por ti. Palpitava-me na mente a memória do teu sorriso, um vislumbre dele ao longe, e todo eu cedia.

Então, quis odiá-lo a ele, o teu Ele, escolhido por ti a dedo para ocupar o lugar que eu queria para mim. A mão que eu queria para mim. A pessoa que eu queria para mim. Mas como se odeia alguém que se compromete a tomar conta de Ti, o meu amor para a vida toda, para o resto dos seus dias?

Desisti do ódio e resignei-me, ainda que não entendesse as voltas que dá a Vida. Respirei fundo e sentei-me sozinho no meu canto, no banco do meu jardim que carrego em mim para toda a parte, e deixei que o mundo girasse.

Não espero que ainda me leias (aprendi-te o bastante para te saber Mulher decidida e entender que, quando te propões a seguir caminho, não mais olhas para trás), mas conto todavia que, de tudo o que falámos, te recordes do longo debate sobre a religião, as almas e o sentido da Vida. E de que, de toda essa argumentação, foi sobre as almas que mais nos debruçámos. Em concreto, sobre a quase poética hipótese da reencarnação, da renovação da alma entre duas vidas materiais, corpóreas, distintas. A hipótese, por outras palavras, de uma mesma alma habitar vários corpos diferentes em tempos diferentes, vivendo assim mais do que uma vida ao longo do seu tempo útil - seja ele qual for.

Foi esse o pensamento que me despertou da minha meditação, que se prolongava desde o dia em que viraste costas. Até então, eu costumava pensar que era uma alma velha, experiente e cansada, mas percebi que, em boa verdade, tudo à minha volta sabia e cheirava a novo, como se a alma que em mim habita fosse apenas jovem, adolescente talvez. Conheci-te nesta vida, num nervoso miudinho, e conhecia-te fazia muito pouco tempo, era essa a verdade... Não houve tempo para crescer perto de ti, para nos aproximarmos gradualmente de um terreno comum, a meio caminho dos dois, e para nos cativarmos.

Pensei então para mim que talvez tudo pudesse ser diferente numa próxima vida. Que talvez pudéssemos lançar de novo os dados e que pudéssemos também nós ser diferentes. Na próxima vida, a minha alma saberá já que existes e poderá procurar-te desde o primeiro dia em que tornar ao mundo e respirar fundo pela segunda primeira vez.

A ideia reconforta-me o espírito.
O coração bate compassado.

Vejo-te numa próxima vida, talvez?

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