Desisti.
Onde é que te meteste...? Procurei-te por toda a parte e nem um sinal de ti...!
Não és justo! Não podes assaltar-me de rompante e roubar-me de mim e do meu porto seguro, com a luz no olhar e o coração sorridente, para depois me desapareceres assim, de súbito, num vapor, num fumo que se esfuma, e deixar-me entregue a mim mesma e à solidão fria de ser-se eu, desesperando sobre a tua ausência, ressacando sobre o calor que me aconchegava o coração, sobre o perfume que deixaste em mim, nas minhas roupas e na minha pele e na minha cama e um pouco por todo o ar (e quiçá já na minha imaginação), sobre o piano leve e doce que ainda me adormece ao longe sobrepondo-se à lareira crepitando, e afogando-me definhando no vaivém de nostalgia que se abate sobre mim como ondas, como mar salgado que é sobretudo agridoce, acumulado e perdido em álbuns de fotografias, memórias das memórias que fomos construindo e colorindo os dois, distantes e dispersas como as estrelas espalhadas ao acaso no céu.
Não podes. Não podes, não podes, não podes! Não devias poder.
Mas de ti nem mais um vislumbre.
De ti nem mais um pio.
sexta-feira, julho 27, 2018
segunda-feira, julho 02, 2018
Principezinho e a Raposa
Já dizia a Raposa ao
Principezinho “Cativaste-me e agora vais ter de cuidar de mim”. A verdade é que cada um é responsável por
aquilo que cativa. Uma parte do que sou – uma parte de mim – está assim
entregue nas tuas mãos. Cuida bem dela.
Cuidarei, prometo, até ao meu último fôlego.
Porque é também ela parte de mim e não se escolhe deixar de
parte uma parte do todo.
Aprendi contigo, por desígnio do acaso, que acontece algo de
bonito sempre que duas almas gémeas cruzam caminhos. E mais ainda quando elas
se encontram no curso da Vida por acidente, roçando apenas ao de leve, sem
quase darem conta uma da outra.
Mal sabia eu que esse acidente de raspão ia deixar mossa.
E foi aqui, sim, que trocámos as regras todas do jogo.
É que, quando são verdadeiramente gémeas as almas, brota e
emerge da terra dos corpos um amor sem par, sem força equivalente talvez em
todo o Universo. Também não é nova para ti esta ideia, de mim para ti, das
energias do Universo, da felicidade pela felicidade; do amor pelo amor. E não
falamos de um amor de paixão ardente na pele e no toque, daquelas de arrancar
aos corpos as roupas. Falamos, sim, de uma paixão ardente bem no seio do
coração, de amor puro, inocente; de uma ternura harmoniosa e de uma paz leve,
doce, que nos invade os pulmões sem pedir licença.
E sem aviso prévio foi essa a porta que se destrancou e
abriu algures em nós, nos próprios alicerces do nosso ser. Foi esse o lugar que
cativámos a par e passo um no outro, sem saber bem como ou porquê. Mas sabia
bem a raposa que quando cativamos, cuidamos para sempre. E foi isso que fomos
fazendo, não foi? Dia após dia, em cada gesto, em cada conversa, em cada
partilha do que faz nós quem somos hoje. Em cada música, em cada fotografia, em
cada confissão, em cada gargalhada, em cada vitória, em cada derrota, em cada
lágrima. Em cada minuto que passámos de mãos dadas sem precisarmos de dar as mãos.
"Foi o tempo que perdeste com a tua roza que a fez tão
importante.", já dizia a Raposa também, num desses efémeros encontros
eternos com o Principezinho.
Como Saint-Exupéry com o Principezinho e a Raposa,
escrevemos juntos a história do encontro de duas almas selvagens tão
diferentes, mas tão iguais em tantas matérias, em especial na matéria de ver e
de sentir o mundo, na matéria de dar o que faz falta sem esperar receber, e
sobretudo na matéria de tudo aquilo que é imaterial. Na matéria do que não tem
explicação, na matéria do que foge e escapa à lógica. Na matéria do que fala
sem usar palavras.
Palavras quero-as apenas para acrescentar um ponto:
Não escrevemos toda a história, ainda. Se concordares, no
teu silêncio distante, encerramos aqui apenas um primeiro capítulo. Um de
vários. Um de muitos, se possível, enquanto forças houver para escrever.