quarta-feira, fevereiro 03, 2016

Lugar dos Cheiros

Há pouco cheirei um lugar.
Sim, leste bem. Um lugar.
Não uma fragrância, mas um lugar, um momento.

Aquela nesga de ar perfumado entrou em mim sem pedir autorização e na mesma fracção de segundo transportou-me para longe daqui. Abandonei o meu corpo e vi-me cirandar indefinidamente por aí, fora de mim, algures no espaço. Algures no tempo, diria também.

Era-me familiar o perfume. De certa forma, cheirava-me a felicidade. A conforto. A infância inocente. Ao colo protector de um Pai. Ao amor de um Avô. A casa. À casa de alguém querido. Aos cabelos ou às roupas da protagonista de um namoro feliz. A um passeio no parque em plena Primavera. À casa de férias de Verão. A um episódio muito particular da minha vida, talvez. Quem sabe...? Mas cheirava. Cheirava-me a algo terno, muito meu, há muito perdido no tempo. E enquanto o inspirei e expirei e tornei a inspirar mantive-me suspenso nesse lugar distante, nesse fragmento anónimo do meu ser, alheio e separado de mim.

E então, no mesmo abrir e fechar de olhos, deixei de o sentir, deixei de o respirar. E sem saber em que lugar e em que tempo estivera, ou quanto tempo estivera ausente, retornei a mim, ao mundo que não tinha parado de girar à minha volta.

O lugar daquele cheiro fechou-se bruscamente como uma gaveta em mim e deu a volta à chave. Quase podia ouvir-lhe o trinco estalar. Perdi-lhe o rasto... Perdi-lho, mas agora estou seguro de que haverá em mim mais uma centena dessas gavetas, um módulo carregado delas, apenas à espera da chave certa para saltar para fora e me levar de novo para o outro lado do mundo, para um tempo de que já mal tenho memória.

Sorrio e aguardo.
Pode ser que te torne a encontrar.

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