Perguntaram-me se tiraria do dedo a tua aliança.
Revoltou-me a questão. Revoltou-me e não consegui dar voz a mais palavras senão a um “não” praticamente mudo. Parecia-me tão evidente a resposta que um só “não”, seguro de si, seria mais do que suficiente para ela.
Não que alguma parte disto seja simples, mas quando o que se vive é assim tão genuíno, tão intenso e tão suado que ainda hoje me dá arrepios, a aliança é uma tatuagem que se grava a ferro em brasa no corpo e que vive como uma extensão de nós. É como se o metal se fundisse connosco e nos desse a beber diariamente a energia de tudo o que aos poucos construímos, em conjunto, em torno dele. O bom e o mau. O agradável e o desagradável. O fácil e o difícil. As virtudes e os defeitos. As convergências e as divergências. A paz e a discussão. Os silêncios e os clamores. As vitórias e as derrotas. Os sucessos e os fracassos. O erro e a aprendizagem. O desequilíbrio equilibrado.
As viagens de veleiro por esse mundo fora, à descoberta de mares e terras incógnitos. Um lar erguido orgulhosamente pedra sobre pedra, forjado a suor e lágrimas. Os jantares a dois. As lágrimas substituídas por sorrisos quando trouxemos ao mundo a primeira criança. E a segunda e a terceira. Os jantares a cinco. Os primeiros passos, as primeiras asneiras. As primeiras cabeçadas na esquina do móvel do corredor, volta e meia, e os primeiros sacos de gelo na testa deles até se me congelarem os dedos, o punho e meio antebraço. O ensino, a educação. As primeiras derrotas deles, as primeiras quedas e os primeiros triunfos. O cão. Os jantares a seis. As almoçaradas no quintal. As correrias. O cão fazendo de cavalo. As roupas sujas de lama. O primeiro impacto da faculdade. As namoradas. O primeiro casamento. O segundo e o terceiro, quase de seguida. Os netos.
Escrevemos uma história juntos. A tinta incerta, é certo, por esses milhares de páginas brancas que fomos preenchendo sem tremer. E como todas as histórias, não existe exactamente um fim. Há sempre um lugar reservado para a nossa imaginação; para definirmos para nós o que sucedeu para lá das últimas palavras escritas. É aí que nos permitimos voar e é aí que estou. É aí que estamos. É aí que a nossa aliança rodopia e vibra incessantemente. É que há coisas que nada na Vida, mesmo algo tão definitivo, tão perene e tão voraz como a morte, apagam ou destroem.
Podia continuar. Podia falar e não me calar mais hoje. Mas optei pelo “não” solteiro.
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