segunda-feira, novembro 21, 2016

Maratonas

Eu prefiro maratonas.

Desde que aprendi a andar, desenvolvi depressa o gosto pela corrida. Primeiro por necessidade, para fugir ao caniche que teimava em perseguir-me pelos corredores de casa, e mais tarde para apanhar o autocarro no último minuto a caminho da escola, para aproveitar no limite o tempo que tinha para privar com a minha cama em pleno inverno. A velocidade era a chave, fosse para salvar a pele de uns dentes irritantemente afiados ou de um recado na caderneta da escola.

Com o tempo, a corrida ganhou outra consistência e outro peso na minha vida. Tornei-me num velocista nato: o prazer de ser o primeiro a cruzar a meta, fosse ela qual fosse, enchia-me as medidas. Os 100 metros, os 200 metros, os 400 e as barreiras. O sabor não vivia no trajecto, nos obstáculos ou nas condicionantes à volta; os meus olhos apontavam apenas para a linha final, para o objectivo, e o resto era fumo e nevoeiro que eu escolhia não ver por entre as passadas rápidas. Lançava-me de cabeça, com o sangue fervilhando a todo o vapor, e esticava-me no ar numa questão de segundos para agarrar o que houvesse para lá da meta. E era esse o meu amor pela corrida.

A coisa engraçada da idade é que muda a nossa perspectiva do mundo e das coisas. Começas a valorizar os pequenos detalhes. O bater do coração a cada metro, o comprimento da passada, o controlo da respiração e a gestão do cansaço, procurando a harmonia perfeita entre velocidade e resistência. Quando tomas o gosto pela corrida, queres é correr o máximo de tempo que puderes. Trocas a velocidade pelo fundo. O sprint pela maratona.

A linha final perde expressão e ser o primeiro deixa de ser objectivo. O teu objectivo passa a ser conseguir chegar até ela, até à meta, àquela mais longínqua e mais distante a que a maioria não chega. Triunfar quando os restantes ficam pelo caminho. Trabalhas a resistência em vez da velocidade. A paciência em vez da fúria. E de todas as vezes estabeleces para ti uma meta mais além, pelo desafio para contigo mesmo.

Eu prefiro maratonas.

De que outra forma teria fôlego para correr meio mundo até ti?

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