terça-feira, janeiro 19, 2016

Anjos e Demónios

Ele era a minha cura e ao mesmo tempo o meu veneno.

Injectou-se de mansinho nas minhas veias como um antídoto, mas a substância activa de que era feito acabou por controlar todo o meu sangue e arrepiar-me da cabeça aos pés. Sabia tirar-me das sombras com que me habituei a vestir-me, mas sem saber fez de mim Rainha do meu tabuleiro de xadrez, peão do meu próprio jogo, quando à minha volta iam tombando todas as minhas defesas - bispos, cavalos e torres: sem escapatória, nua e exposta entre a espada e a parede, o coração ribombando aceleradamente à espera de ouvir sussurrar um letal "xeque-mate".

Enquanto não o escuto, fecho os olhos e faço-me refém de mim mesma. Alheio-me da guerra que explode com o meu mundo em meu redor. Sinto-me segura no meu silêncio. Equilibrada.

O teu calor fez do meu gelo água, sem forma, fluindo e dançando livremente dentro do meu corpo. Mataste à queima-roupa o frio em mim quando me trouxeste o teu lume e por isso preciso dessa minha estabilidade para voltar a definir-me. Para estagnar as águas que se agitam em mim como o mar contra as rochas.

De momento, sou peças soltas e espalhadas de um puzzle maior. O meu puzzle. Sou pedaços de um espelho partido, que juntarei minuciosamente para reconhecer nele o meu reflexo sem fissuras. Sou migalhas ao vento, de que me alimentarei a pouco e pouco para matar o jejum e a fome de mim.

Ele era a minha cura e ao mesmo tempo o meu veneno. Estava determinada a sugá-lo e a cuspi-lo para fora de mim, mas era já sangue do meu sangue e os meus lábios queimavam-se-me e ardiam-me ao tocar-lhe. Ele era a minha cura e ao mesmo tempo o meu veneno.

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